segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

É cultural! * (Uma reflexão sobre a divergência religiosa e a liberdade de expressão)

"Cultura ... é o complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade." ( Primitive Culture, 1891)



Todos os conceitos contemporâneos que temos são baseados  na administração  de sistemas complexos de desenvolvimento da sociedade. 
Como concebemos deuses, direitos, convivência, punição...tudo,absolutamente tudo,permeado de valores (social e historicamente) construídos. Nenhum ser humano é uma ilha (à alusão de Robinson Crusoé  e do processo que percepção de que somos indivíduos essencialmente grupais e ritualísticos).
Só conseguimos nos comunicar por termos os mesmos códigos: Escrita, fala, imagens, sons que nos são familiares e possibilitam a troca de informações e a nossa formação dentro da sociedade. 
E é por meio deste processo de culturalização que concebemos nossos valores mais elementares. Assim funciona a mesma mola que impulsiona o direito às liberdades: desde a liberdade de expressão à religiosa: são sistemas intrínsecos demais para serem analisados somente sob a ótica de um dos lados. O desrespeito à valores religiosos pode causar tantos danos quanto o ataque à liberdade de expressão. 
São culturas sobre culturas, em uma diagramação que não é exata e que necessita de bom senso, não necessariamente de senso comum, uma vez que 7 bilhões de pessoas não são números números inexpressivos de divergências.
Mesmo conceituar é dar o viés da nossa cultura sob determinada escala valorativa.É tentativa da 'colonização' do olhar alheio. Por isso, o papel da comunicação é hoje fundamental para a sociedade, além de uma enorme responsabilidade, uma vez que o comunicador é,com grande frequência, um formador de opinião.
Ainda que isto se dê por meio de cartoons, como no caso da revista Charlie Hebdo. Aliás, por se tratar de uma forma historicamente construída pela sociedade Francesa, sabe-se que a Charlie não era exatamente um modelo de comunicação 'politicamente correta', nem sob a ótica da sociedade francesa, onde as liberdades são amplamente cultivadas. Matar é pena capital e um absurdo sem tamanho, motivo pelo qual não sou Charlie, mas sinto muito pela tragédia.
Porém, assim como matar nos é concebido como barbárie, em outras culturas que coabitam em um mesmo espaço, retratar o profeta merece vingança por via da pena capital.
São processos culturais divergentes que necessitam de trato humano, muito humano, ou culminarão em mais tragédias.
Todas as vezes em que reflito no caos entre as liberdades e o momento atual, penso na legião de inocentes que estarão no fogo cruzado das ideologias cegas e das intolerâncias reciprocamente cultivadas.


"Para mim, se considero, pestes,tormentas, guerras,são produtos da mesma força cega,operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes" (Livro do desassossego,1913)


Ou "Reductio Ad absurdum - tudo é absurdo"
Bernardo Soares, ibidem.

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