Pois, lhe digo, minha Dona. É uma pena a senhora
andar por aí fatigando seus olhos pelo mundo. Devia era, logo de manhã, passar
um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga. Sabe o que faz?
Estende-se aí na areia, oblonga-se deitadinha, estica a alma na diagonal.
Depois, fica assim, caladinha, rentinha ao chão, até sentir a terra se enamorar
de si.
Digo-lhe, Dona: quando ficamos calados, igual uma
pedra, acabamos por escutar os sotaques da terra. A senhora num certo momento,
há-de ouvir um chão marinho, faz conta é um mar sob a pele do chão. Aproveita
esse embalo, Dona Luarmina. Eu tiro boas vantagens desses silêncios
submarinhos. São eles que me fazem adormecer ainda hoje. Sou criança dele, do
mar. (Mia Couto, in "Mar me Quer", 2001)
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