terça-feira, 16 de julho de 2013

Vivência Mínima (mini-conto)


Não queria sair, era quente seu primeiro lugar. Mas, quando abriu os olhos pela primeira vez, deslumbrou-se. Haviam coisas e coisas a se fazer naquela nova morada. Desafios primários: Andar, comunicar-se, tatear o universo. Todos lhe sorriam, parecia bom.

Cresceu vendo rarear sorrisos, pessoas tornaram-lhe invisível, veja que contradição. Foi encaminhado a fazer o que lhe pediam: escola, ofício, obrigações. Sorrisos não espontâneos: Socialização.

Não tinha inquietações, ou melhor: quando as tinha, tratava de se analgesiá-las: Compras, gordura, açúcar, sal. Dominava suas sensações e relações, controlava seu tempo e cumpria religiosamente prazos.



Aprendeu que o amor era algo que lhe acrescia status: filho de ciclano, marido de beltrana...não lhe deram a fórmula, que ensinaram da 'fôrma' do amor. Não prestou atenção na moça de cabelos cacheados e olhos esbugalhados de luz, no período maluco de seus vinte e poucos e a despeito de suas tardes felizes e horas malditas,  casou com a filha de.





Constituiu:
Bens, diplomas, status, pessoas.
Usufruiu:
Sabores e calores mornos, afetos plásticos.

Nunca, jamais ficou uma tarde inteira contemplando um entardecer e desviava o passo para cumprir o aviso de para não pisar na grama. Encolheu sua alma até de instante em instante...não ter arroubo algum. Fez o que lhe era esperado e digno.

Morreu sem lágrimas, encolhido e mínimo . Inerte, como um bom cidadão.

Um filho da pátria pagador de impostos.



2 comentários:

  1. Roteiro de vida de muitos que não rompem com o status quo! Ótimo recorte do cotidiano,Jaci!

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  2. Oi Amiga,
    Esse texto me fez ficar muito pensativa.Um conto bem real.

    Beijos!

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