domingo, 19 de agosto de 2018

Elixir Paregórico (Ensaios sobre a dor)


Uma das lembranças mais doces de ser criança de uma cidade do interior do norte é a alegria e o contato íntimo com a natureza e a sabedoria mística que envolve as coisas da floresta.

Coisas como Chá de Cidreira para cólica e sono de criança, erva doce e hortelã para digestão, mastruz para vermes, enfim…tantas ervas e raízes! Tive mais contato com este tipo de remédio do que com fármacos, propriamente. Conto isso com grande alegria e pretendo que, se Deus permitir, transmitir esta sabedoria de avós a netos, vida afora.

Outro remédio que minha mãe costumava dar era um líquido profundamente adocicado, enjoativo, para tudo que era doença ou male: caiu, ralou o joelho? santo elixir misterioso em ação. Dor de cabeça para não ir para a escola? dor de barriga sem febre? santo elixir! Muitos anos depois, soube que era água com açúcar. Ao que parece, muitas vezes, fui curada através da medicina mais profunda que uma criança pode receber: palavra de mãe de que a dor vai passar.
Meu pai, por outro lado, era cheio de frascos diferentes, do tipo que raramente vemos hoje. Como por exemplo, o ‘delicioso’ elixir paregórico, 40 gotas que curavam TUDO que uma criança ou adolescente pudessem contrair. Isso trouxe a lembrança de que Rubem Alves, uma das minhas grandes referências literárias nacionais, escreveu sobre memórias e remédios de infância em uma crônica (do qual esta provavelmente é filha tímida), que fala da saudade do gosto ruim do Elixir de Nogueira, remédio que tinha gosto de peixe e do qual tanto sentiu falta. Rubem ainda rememora que a expressão elixir é de etimologia árabe, interligada ao conceito de Alquimia...

E a expressão ‘panos quentes’? aprendi depois de adulta para que servem (Ufa!). Aliás, sobre a dor, minha so(l)brinha, tinha receios diferentes dos meus. Ela não temia o instante, mas sim o medo de não sarar.  Chorava pedindo para ‘tirarmos’ o dodói dela…ah! Quem nos dera se Deus nos tivesse dado o santo poder de sermos heróis de nossas crianças…

Infelizmente ou felizmente, o tempo nos alcança e quanto mais corremos, mais ele passa. Hoje há comprimidos para solidão, tristeza, insônia, coração partido. Farmácias crescem e se tornam cada vez mais essenciais à rotina das cidades.  São os estudos e a evolução de outras formas de compreender o mundo, essenciais à melhoria da qualidade de vida, mas confesso que sinto saudades da sabedoria simples que a tudo curava.

Confesso que ainda tomo chás, alguns do jardim, alguns de espera (ah! paciência!), outros de sabedoria,  paz…outros em sachê, quando a pressa não deixa ir à feira maluca, ou quando a vida acelerada me distancia deste hábito tão bom que é sentir a delícia das ervas frescas...

É que mora em mim a mágica daquele elixir adocicado e das 40 gotinhas que curavam qualquer dor, de caber dentro do colo dos meus, num abraço apertado que ainda garante,  dentro do meu peito, que para meu grande alívio, tudo, qualquer dor … vai passar!

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