sexta-feira, 13 de junho de 2014

"Solilóquio de Nina Simone" - Donizete Galvão (Lindo!)


Habitou-me um deus espesso.
Sangue cor de fígado.
Veneno talhado, macerado e amargoso.
Fez morada em cada célula.
Nos alvéolos, nas entranhas, sob as unhas.
Expande a veia do pescoço.
Sangra pelas gengivas.
Lateja nas têmporas e nos pulsos.
Planta arrancada da terra africana,
deita suas raízes fundas de baobá
e traz gosto de lama à boca.
Tem sabor atávico a relembrar
o lodo de que se originou o homem.
Habitou-me um deus exigente,
que me fere e exaspera.
Que espezinha o que eu era.
Que fala o que eu não pensara
e, dizendo-me ao contrário,
faz-me gostar do calvário
que, às cegas, eu criei.
Nomeio que não tem nome:
Raio de Iansã, trovão, ciclone,
Sopro de Orixá, c´est moi:
Nina Simone.
 
 
Fonte: Blog "Eu é um outro" => http://ulisses-borges.blogspot.com.br/
 
 

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