sábado, 2 de setembro de 2017

Uma Crônica Otimista (Ou a distopia de uma distopia)


Fazia tempo que não o via. O ''artista da fome'' da minha cidade, como sempre 'faminto', caricato e mudo, com sua guitarra interior arranhando a paisagem, para receber aplausos da platéia, que aplaude como quem joga moedas ao chão, por piedade. Por piedade, aplaudo.
Foi talentoso e todo mundo enxerga nele ‘um figura’ com quem se parecia: Ele mesmo, quando tinha um nome. A maioria ao redor não olha de frente para seu rosto, observo. É quase respeitoso o gesto. E constrangedor, de ver a transmutação do artista.
Aos poucos, na sua própria cela interna, ele deixa de ser pessoa e vira apenas o espetáculo, o show.  Não é mais. Deixou de ser, apagou seu nome de si, com a borracha do vício.  Não é um maluco a se divertir e rir de nós, com nossos horários e rituais de socialização. Não se trata disso.  Ele resiste de morrer enquanto desiste de viver.
Ultrapassou a linha. Foi além da margem e caiu no precipício.
Do vício de ser um espetáculo. Do vício da tristeza. Do vício no vício. 

...mas, quase por instinto, reescrevo esta história em minha cabeça. 

Ele levanta de dentro de si, sai da cela, olha todo mundo e diz: vou bem ali, fumar um
cigarro. Volta com a coluna reta. E novamente torna a ter alguma expressividade no olhar. Tem uma noite memorável com as pessoas ao redor, que chama de 'amigas'. Fala que vai investigar gente 'importante' e fazer e acontecer com um pessoal aí. Volto a sentir antipatia por seu trabalho – sim, pois não se sente antipatia por espectros.  Só desperta antipatia quem exerce a arte de “se ser”.
Ele sai de cena para uma matéria super secreta, que tempos depois, vai ajudar a desmanchar uma incrível rede de corrupção no Estado. A partir daí, não o veremos mais. Mas boatos espalharão que virou espião ou correspondente secreto e investigativo de uma emissora de televisão intergaláctica. 

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