Fazia tempo que não o via. O ''artista
da fome'' da minha cidade, como sempre 'faminto', caricato e mudo, com sua
guitarra interior arranhando a paisagem, para receber aplausos da platéia, que
aplaude como quem joga moedas ao chão, por piedade. Por piedade, aplaudo.
Foi talentoso e todo mundo enxerga nele
‘um figura’ com quem se parecia: Ele mesmo, quando tinha um nome. A maioria ao redor não olha de frente para seu
rosto, observo. É quase respeitoso o gesto. E constrangedor, de ver a
transmutação do artista.
Aos poucos, na
sua própria cela interna, ele deixa de ser pessoa e vira apenas
o espetáculo, o show. Não é mais. Deixou de ser, apagou seu nome de si, com a borracha
do vício. Não é um maluco a se divertir e rir de nós, com
nossos horários e rituais de socialização. Não se trata disso. Ele resiste de morrer enquanto desiste
de viver.
Ultrapassou a linha. Foi além da margem
e caiu no precipício.
Do vício de ser um espetáculo. Do vício
da tristeza. Do vício no vício.
...mas, quase por instinto, reescrevo
esta história em minha cabeça.
Ele levanta de dentro de si, sai da cela, olha todo mundo e diz: vou
bem ali, fumar um
cigarro. Volta com a coluna reta. E novamente torna a ter
alguma expressividade no olhar. Tem uma noite memorável com as pessoas ao
redor, que chama de 'amigas'. Fala que vai investigar gente 'importante' e
fazer e acontecer com um pessoal aí. Volto a sentir antipatia por seu trabalho
– sim, pois não se sente antipatia por espectros. Só desperta antipatia
quem exerce a arte de “se ser”.
Ele sai de cena para uma matéria super secreta,
que tempos depois, vai ajudar a desmanchar uma incrível rede de corrupção no
Estado. A partir daí, não o veremos mais. Mas boatos espalharão que virou espião
ou correspondente secreto e investigativo de uma emissora de
televisão intergaláctica.
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