terça-feira, 13 de agosto de 2013

Vitrais!




Há muito tempo atrás, li de Rubem Alves, no livro “O amor que acende a lua”, sobre a beleza contida nas madonas em vitrais. Por meio de uma metáfora, que transcreverei abaixo¹, vi uma das descrições mais bonitas a respeito da natureza de Deus: Um Deus que não quer ver quebrar, mas que junta os pedaços pacientemente.

Amo vitrais, sua delicadeza e colorido. Sempre me pergunto, ao ver vitrais:
Do que será que foram feitos?




Montagens de pedaços imperfeitos de vidro, claro. Mas são mais que isso: Multicores que inspiram junções– De onde vieram?  Da reciclagem da primeira garrafa de vinho aberta naquela história de amor? Dos copos quebrados em uma festa de aniversário? das taças de um casal que quebrou o juramento da delicadeza?...De que foram feito os vitrais?

Claro, poderias tu me dizer que são feitos de vidros encomendados ou da junção em forno de cores artificialmente compostas, hoje a tecnologia realmente nos permite. Mas, a verdade é que os vitrais não começaram assim.

Os vitrais iniciaram certamente, de uma mente capaz de ressignificar cacos. De juntar os milímetros imperfeitos do que já não serve, para fazer algo bonito.

Alguém capaz de não temer o corte, a profundidade do risco e que, num gesto artístico, fez beleza com a dor. Claro, não apenas aqueles que compõem vitrais fazem beleza com dor.



 Uma boa música conta sempre algo que o olhar já viu, eternizando dores que o vento, o tempo, a precariedade da vida já apagou inclusive. Ouço gente morta me contar suas dores. Elas já morreram também, mas ecoam vivência em mim.

Mas, vitrais me ensinam das imperfeições que nos fazem belos. Do reaprender a fazer singeleza de onde já não há formas aproveitáveis: A garrafa de vinho já foi tomada, as taças já brindaram os amantes, os aniversariantes já 'tintilaram' sua alegria, o vaso de flores já ornou as mais belas...mas todas, todas essas “utilidades” passaram. Os ‘vidros’ quebraram. Não serviriam mais para nada, e do imprestável,das impossibilidades, do lixo,  fez-se beleza.

Essa imperfeição me recorda que uma tela, retrata docemente algo que eu não sou capaz de fazer parte integralmente, apenas um instante. Uma forma amorfa, fruto de uma única percepção, ainda que não menos bela.

Vitrais me fazem recordar que todos os dias, recolhemos nossas pequenas quinquilharias, e almejamos com elas, fazer luzir a nossa beleza. É uma arte interna corajosa.

Então, brincando com a frase do querido poeta, que me perdoem os quadros, vitrais são fundamentais.

E, cá pra nós...somos todos vitrais. 




¹ Pedaço citado da crônica: 

 "Ninguém lançou a pedra. Deus não lançou. Deus não queria. Ele amava o vitral. Está triste. Foi acidente. Um meteoro. Nem tudo é Deus quem faz. Poderia ter caído em outro lugar (...) E aí, olhando os cacos do vitral espalhado pelo chão, vê-se um vulto, catando os cacos, um a um, e pacientemente os arranjando de novo, como um quebra-cabeça".

² A crônica inteira de Rubem Alves, leia => http://pt.scribd.com/doc/13917762/Por-que-Rubem-Alves 

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