terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Os velhos Brechós, Belchior e meu cantor favorito sumiu no Mapa (Parte V*)





* Texto em homenagem ao álbum "Alucinação", que fez 40 anos, no dia de hoje.


Meu cantor favorito sumiu, eu disse SUMIU no mapa. Não morreu de overdose, não se matou, não se atirou do oitavo ou quinto andar. Simplesmente desapareceu. Foi viver à margem. Um marginal alucinado.

Um dia desses, por acaso do destino, deparei com um artigo de internet que contava que a nomenclatura Brechó veio da adaptação do nome Belchior, antigo mercador do Rio de Janeiro, que realizou  a façanha de abrir o primeiro estabelecimento de novos e usados que se tem registro*!Pronto. Fiquei alucinada. Porque, por um "acaso", é bom registrar, Belchior é o nome artístico de Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, o meu cantor favorito -  e sim, já disse, ele sumiu no mapa.  

Amo Belchior e amo brechós!  Brechó de roupa, de livros (sebos). Coisas antigas, com suas dedicatórias a outras pessoas e cor amarelada, o místico de tocar no segredo do outro - embora não saiba quem seja. Alguém,além de mim, tocou nas velhas páginas  ou nas velhas roupas coloridas, que falam, com seus pequenos detalhes, de pessoas que também existem, embora não estejam visíveis aos olhos.

Meu cantor favorito sumiu no Mapa, como hoje somem Brechós, tão pequenos e cheios de histórias que ninguém quer ouvir, para dar lugar às grandes lojas de repartição.  Como somem mercearias e feirinhas, para dar lugar à grandes mercados, com suas verduras sem terra, sem cheiro, sem gosto, sem velhas senhorinhas que conversam e contam o místico prazer de ver nascer um broto e de saber sua função terapêutica.

Ele sumiu e eu o entendo. Belchior guardava em si velhas quinquilharias, não queria colocá-las à venda, era um  brechó humano, que a fama em seu formato tradicional quis fazer virar repartição, produto.  Era um resistente sentimental...e desapareceu. Sumiu como somem os carteiros, os poetas, os datilógrafos e outras coisas que desapareceram antes que pudéssemos conhecê-las. Sumiu como somem, a cada dia, pessoas que dão "bom dia" e nascem aos borbotões os reis da razão, aquele povo "de humanas", que esqueceu a essência de ser humano, simples, sem tanta nomenclatura e política de bondade (bondade não tem política, é um exercício nato).

A minha torcida é para que o amor nunca faça parte desta lista de sumiços, pois é a coisa mais revolucionária do planeta e o maior bem do brechó sentimental, que meu cantor favorito emanou em suas letras e canções. Ele sumiu e eu o entendo e admiro, a despeito de não conhecer suas novas canções, de ontem em diante. Tudo bem. Não desistiu da vida, desistiu do show.


Que a viagem seja fantástica para você, Belchior! #

* http://www.etimologista.com/2012/1
* É com carinho que me despeço da série de alucinações chamadas 'Meu cantor favorito Sumiu no Mapa', uma das coisas que mais gostei de escrever em prosa, em toda a minha vida. Este último texto e as pesquisas me renderam boas risadas e o encontro profundo com a poesia do meu cantor favorito de MPB, que, felizmente, está por aí, vida afora. Vida longa, Belchior!

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