Recordo como eram bonitos os quintais sem muros e as enormes árvores, entremeando caminhos que levavam a pequenos paraísos, na 'minha' velha Santana. Não à toa, o bairro ganhou o nome de Paraíso. Lá moravam "olhos d´água'', que hoje sei, são as chamadas áreas de ressaca ou áreas de resfriamento da cidade.
Mas, a verdade é que nunca foram isso. Eram pequenos oásis, em meio ao nada. Não nasceram para “resfriar” a cidade, que visão mais antropocêntrica. Existiam antes da cidade!
E cheios de felicidade, a molecada se divertia, às escondidas das mães, nesses espaços que a natureza doava. Jogavam uma água danada uns nos outros. Era moleque sujo para todo lado, na volta, para encontrar suas mães, ávidas pelo toque das sandálias. E elas “cantavam”.
Confesso que me aconteceu pouco. Coisas da vida. Mas ouvia a ladainha “entoar” pela vizinhança, junto aos gritos da primarada. Todos muito 'danados', como falamos de crianças que não dão sossego (risos).
Mas a gente era muito 'marginal', sem tablet ou videogame. À noitinha, antes da novela das nove, sagrada para todas as mães, tinha um “Onde eu mandar, vô. E se não for? Apanha um bolo”. E a criançada se divertia para trazer a primeira folha amarela da mangueira do vô, uma 'pedra branca' ou a lua e as estrelas, a depender da criatividade da “mãe”.Brincávamos também de queimada. De pira-pega. Que pique-esconde. De pira-alta. As meninas, de elástico e amarelinha.
Se alguém ficasse gripado, na minha família, tomava remédio de mel,copaíba e limão. Biotônico? coisa de rico. Tomávamos 'batidas' exóticas, feitas com ervas daqui. Um exemplo: Mastruz com leite moça, para 'lombriga'. Se tivéssemos febre demorada, éramos levados para aquelas velhas mágicas, as senhoras sábias da floresta,'benzedeiras' da cidade.
Mas, saudáveis, os dias eram cheios de grandes excursões e éramos os navegadores em busca da descoberta do Brasil, pelos territórios sem limites de uma cidadezinha ainda por se descobrir, como cada um de nós. Recordo disso com grande felicidade.
Na adolescência, mudamos para Macapá, nossa pequena "cidade grande". Mas confesso que, cada pequeno pedaço daquela história que ficou lá atrás, de uma cidadezinha de céu muito estrelado, ausência de muros e asfalto, onde as pessoas dormiam com as janelas teladas abertas para a noite e as suas madrugadas, ainda faz meu coração bater forte.
Qualquer pequena coisa que faça recordar aquelas ruas de terra batida e casas com quintais cheios de árvores frutíferas e mistérios profundos, onde crianças corriam em busca de incríveis descobertas, fazem nascer em meus olhos igarapés de saudades...
E deixam uma certa tristeza no ar, por aqueles pequenos oásis, que desapareceram com o tempo, para dar espaço à gente, nossa gente, que foi acrescendo e ganhando novas pessoas, novas roupagens, dentro da velha cidade.
Há muitos anos não sou a menina da cidade de Santa Ana, que recebeu meu avô, tios e mãe com generosidade, vindos de outra grande navegação, em uma embarcação chamada VENCEDORA...como a preconizar destino de gente forte, que correu atrás de sorrir, de ganhar, vencer e devolver para a cidade o mesmo coração com que nos recebeu.
Sim, Santana não faz parte do meu cotidiano, mas é nela que meus pés tem raiz e que meu coração reconhece o cheiro de inocência, de descoberta e de lar.
E é porque fui criança embevecida por aqueles céus estrelados, com menos boneca e muito contato com a natureza, que cresci e gostei de ler, conhecer essa imensa geografia que nem imagino de que tamanho seja, chamada UNIVERSO. E assim, desenvolver a escrita.
Sei que foi de saudades de voltar lá, naquela cidadezinha e passear pelas margens dos igarapés que meus pés deixaram pra trás, naqueles quintais sem fronteiras!
Jaci Rocha