Frequentemente ouço a expressão 'máquina' quando falamos em 'Estado', como a referir que o sistema é um aparelho engendrado e em funcionamento único. Bem, ontem, após a leitura de um edital de processo seletivo, isso ficou ainda mais latente: além de máquina, o Estado nos quer ...'peças'! Estamos cada vez mais 'coisificados'.
Exemplifico: Você não exerce a profissão que criou. O Estado determinou quais são as profissões que lhe interessam e, com sorte (muita sorte), você alcançou alguma que almeja ou é compatível com as suas aptidões. E, a não ser que tenha se esforçado muito para pagar a sua formação, é provável que esteja entre o seleto número que enfrentou a concorrência desleal da legião de administrados, prestando processos seletivos.
Vivemos em eternos processos seletivos, nós, peças desse maquinário. Isso quando não somos sumariamente excluídos. Por exemplo: existem editais quer requisitam preparo físico exaustivo e alto conhecimento técnico. Ora, conhecimentos que vão muito além inclusive dos bancos de graduação!
Com a leitura do edital de ontem, percebi que não sei a diferença entre flexões, a não ser que sejam nominais ou de verbo (rs), pois a moça até arrisca versos, mas 'apoios','corrida','natação', tudo ao mesmo tempo é coisa de triatleta, uma covardia da 'máquina', que agora quer 'multifuncionais'. Sim, 'multifuncionais', porque somado ao número de conhecimento científico das outras fases, o Estado precisa de triatletas altamente nerds (rs). E nos incutem a idéia de que fomos 'produzidos' para participar da dança.Ou melhor, da roda, porque não há espaço para a canção.
Mas estamos mesmo? Um dia, na ida para uma destas provas de seleção, uma moça em uma parada de ônibus parecia altamente em agonia,sozinha. Parei e ofereci transporte. Ela ficou tão assustada com a oferta, que aceitou receosa! Disse-me que não era do meu Estado e que aquela tinha sido a primeira gentileza que notou naquele lugar. Fiquei envergonhada. Não, não pelo meu Estado,mas pela raça humana, incapaz de reproduzir o que é de sua natureza: Afetividade.
Mas é que os conceitos alteraram muito da essência. Quanto mais 'peças', mais estamos disfuncionais como pessoas, de tanto concorrer 'funções'. E daí o individualismo, o olhar o mundo sob a ótica que 'convém', a colonização das culturas sobre outras culturas, a massificação do pensar e o etnocentrismo... tão 'modernos' quanto a 'máquina', que 'uniformiza' pessoas em soldados de guerra.
Por isso que é tão bonita a palavra.... 'subverter'. Ser muito gente, 'pessoa'...é a coisa mais subversiva que podemos fazer, hoje em dia.
"Desculpem,mas eu não quero ser um imperador,
esse não é meu ofício"